Sobre Medicamentos Controlados e ANVISA

O artigo12 da Lei Federal 6368/76 trata como crime de tráfico, dentre outros verbos: preparar, produzir, vender, expor à venda, ter em depósito, transportar, ministrar…substância entorpecente ou que determine dependência física ou psicotrópica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

O artigo 13 do mesmo codex trata também como crime, dentre outros verbos possuir maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação daquelas substâncias acima descritas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Já a portaria 344/98 da Anvisa que aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, determina:

Art. 2º Para extrair, produzir, fabricar, beneficiar, distribuir, transportar, preparar, manipular, fracionar, importar, exportar, transformar, embalar, reembalar, para qualquer fim, as substâncias constantes das listas deste Regulamento Técnico (ANEXO I) e de suas atualizações, ou os medicamentos que as contenham, é obrigatória a obtenção de Autorização Especial concedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Art. 35 A Notificação de Receita é o documento que acompanhado de receita autoriza a dispensação de medicamentos a base de substâncias constantes das listas “A1” e “A2” (entorpecentes), “A3”, “B1” e “B2” (psicotrópicas), “C2” (retinóicas para uso sistêmico) e “C3″ (imunossupressoras), deste Regulamento Técnico e de suas atualizações.

Art. 62. Todo estabelecimento, entidade ou órgão oficial que produzir, comercializar, distribuir, beneficiar, preparar, fracionar, dispensar, utilizar, extrair, fabricar, transformar, embalar, reembalar, vender, comprar, armazenar ou manipular substância ou medicamento de que trata este Regulamento Técnico e de suas atualizações, com qualquer finalidade deverá escriturar e manter no estabelecimento para efeito de fiscalização e controle, livros de escrituração conforme a seguir discriminado:

§ 2º Livro de Receituário Geral – para farmácias magistrais.

Ou seja, estando a Farmácia Magistral devidamente autorizada, e de acordo com as demais exigências da norma reguladora, não há que se falar que a transferência de medicamentos controlados entre uma filial e outra esteja caracterizado como crime, porque crime é somente se a Farmácia não estiver de acordo com as disposições legais ou das normas regulamentadoras.

Nesta esteira de entendimento, surge parecer que considera a captação de fórmulas entre as filiais, crime tipificado pelo artigo 12 da Lei supracitada, uma vez que vedada pela Resolução RDC 33 da Anvisa, editada em 19 de abril de 2000, que aprova o Regulamento Técnico sobre Boas Práticas de Manipulação de Medicamentos em Farmácias, no seu artigo 5.3.2.:

5.3.2. É vedada a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais em drogarias, ervanarias e postos de medicamentos, ainda que em filiais da mesma empresa, bem como a intermediação entre empresas.

Ocorre que tal preceito sequer pode ser considerado legal, vez que contraria norma constitucional e Lei Federal, hierarquicamente superiores.

Prescreve o princípio da Legalidade, instituído pelo artigo 5º, II, da CF, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei.”. Ora se as Leis que regulam o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, (Lei Federal 5991/73 e 6360/77) não vedam este tipo de procedimento, não pode a norma regulamentadora ter a intenção de fazê-lo.

O filósofo Hans Kelsen nos ensina que uma norma é válida quando em consonância com a imediatamente superior.

Se a Constituição norma primordial no ordenamento jurídico brasileiro, afirma que só a Lei poderá obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo, e se a Lei não veda a captação de fórmulas, não pode a Resolução ter a audácia de fazê-lo. Principalmente quando tal vedação enseja interpretação de crime.

A atribuição da Anvisa é regular a Lei no que couber, e não contrariá-la. Isso é, não há como o Legislativo editar uma nova Lei cada vez que um novo insumo for criado, que uma nova fórmula for constutuída…por isso fica a cargo dos Órgãos Fiscalizadores do Governo editar normas que regularizem as Leis. No entanto, o órgão excedeu sua competência legislativa vedando prática às farmácias que a própria Lei não veda. Ou seja, se a Lei não proíbe, não pode a norma regulamentadora proibir.

Extrapolou, portanto sua função.

Em 1993 foi editado Decreto 793, no mesmo sentido:

Art.36………………………………………………………………………………………………

Parágrafo único. Somente as farmácias poderão receber receitas de medicamentos magistrais ou oficinais para aviamento, vedada a intermediação sob qualquer natureza”.

E este, apesar de não mais surtir efeito jurídico uma vez que já revogado pela Lei Federal 3181/99, foi, com base nos fundamentos aqui explanados considerado pelo Superior Tribunal de Justiça, ilegal:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – ENTIDADE REPRESENTATIVA DE CLASSE – LEGITIMIDADE – AUTORIZAÇÃO – DESNECESSIDADE – DEC. Nº 793/93 – FARMÁCIAS – DECADÊNCIA – AVIAMENTO DE RECEITAS NÃO ENTREGUES DIRETAMENTE PELO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE.

Têm as entidades representativas de classe legitimidade ativa para defender direitos e interesses de seus associados, independentemente de autorização destes. A associação de farmacêuticos tem legitimidade para impugnar interpretação de preceito contido no Dec. 793/93 que, embora dirigido às drogarias, atinge também as farmácias. A legitimação para figurar no pólo passivo pertence à autoridade competente para aplicar, no âmbito do Estado, punições pelo descumprimento da legislação federal, na área da saúde, por parte das farmácias. O prazo decadencial para impetração de mandado de segurança é de l20 dias. O Dec. 793/93 extrapolou a Lei nº 5.991/73, vez que esta não impede as farmácias aviarem receitas repassadas por suas filiais, por drogarias e hospitais. Recurso improvido.” (RESP 119122/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma – STJ, DJ. 16.08.1999, RSTJ 124/124). (grifos nossos)

Ou seja, uma norma por manifestamente ilegal não deveria nem ao menos existir mais no ordenamento, quanto mais ensejar interpretação criminal.

Janeiro de 2005

Parecer destinado à ANFARMAG (Associação das Farmácias Magistrais)

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