Judicialização da saúde exige nova forma de atuação

O Conselho Nacional de Justiça está levantando o número de processos judiciais que dizem respeito à saúde pública. O interesse na matéria surgiu depois que o Supremo Tribunal Federal realizou audiências públicas para discutir a tal “judicialização da saúde”. A questão envolveu o fato de, na falta de remédios ou de tratamentos por parte do Estado, os juízes decidirem a favor do cidadão para garantir o direito constitucional à saúde. Com isso, os governos passaram a questionar tal interferência que, ao beneficiar um, prejudica a muitos.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse, em evento na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) que tratou da efetividade dos direitos sociais, ser possível que um grupo mais privilegiado, que tem acesso à informação e busca o Judiciário para garantir seus direitos, acabe se beneficiando das liminares concedidas tanto para um procedimento hospitalar quanto para a obtenção de medicamento. Ele reconhece que a discussão é muito complexa e que envolve não só o Direito como a política, sobretudo a questão da separação dos Poderes.

Entretanto, entende, é preciso imaginar novas formas de atuação, do contrário, os juízes continuarão a suportar críticas à atuação do Judiciário no que se refere ao tema. “É preciso que a questão seja discutida. O juiz não pode se furtar a desafios, mas precisa estar imbuído de arsenal de informações para não incidir em equívocos graves que possam afetar a universalidade do sistema de saúde”, disse.

A Constituição é expressa ao dizer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Para o ministro, a garantia, na prática, acaba levando a situações complicadas para o Judiciário decidir. Hoje, diz, há ações que pedem que a instalação de Unidade de Tratamento Intensivo em determinada região. Ele afirma que o tema angustia a todos os juízes. Se o município é acionado para prover dado tratamento, se vê às voltas com dificuldades de cumprir orçamento da saúde, devido à falta de recursos. “São questões delicadíssimas que se coloca para o Judiciário”, disse.

Gilmar Mendes percebe um avanço no tema. Além da realização das audiências públicas, o ministro falou sobre ideia de criação de uma Câmara de Peritos para auxiliar o juiz na decisão sobre questões relacionadas a medicamentos, por exemplo, e que afasta a queixa comum de que o magistrado decide sem conhecer a realidade.

O ministro também citou o grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça que sugeriu algumas medidas organizacionais a serem adotadas pelos juízes. No início de dezembro, durante o 4º Encontro Nacional do Judiciário, no Rio, o presidente do grupo do CNJ, conselheiro Milton Nobre, contou à revista Consultor Jurídico como estão as pesquisas sobre a judicialização da saúde.

Ele contou que tudo começou a partir das audiências públicas no Supremo Tribunal Federal. “O CNJ, diante do que se colheu na audiência, criou grupo de trabalho para, em complemento ao que tinha sido debatido, propor medidas para melhor solucionar esse tipo de problema.”

O CNJ redigiu algumas orientações para o juiz. Entre elas está a de, sempre que possível, ouvir a autoridade gestora antes de conceder medida, exigir o nome do princípio do remédio para que possa ser adquirido um genérico e, assim, evitar decisão mais onerosa ao Estado. Outra citada pelo conselheiro é do laboratório continuar a fornecer um medicamento ao paciente que estava utilizando-o para teste, caso as pesquisas tenham tido resultados positivos.

Outra iniciativa que está em curso é a pesquisa que vai levantar o número de ações que existem em relação à saúde pública. Em uma análise preliminar, conta Nobre, são 112 mil ações em curso, envolvendo medicamento ou procedimento hospitalar apenas contra o setor público. O número total de processos no Judiciário mais de 80 milhões de processos.

“Nesse número [112 mil] já estão incluídos São Paulo e Rio de Janeiro”, disse. É provável que a pesquisa chegue a 400 mil ações. “O número de ações por si só pode não ser elevado, mas tudo indica que é impactante em termos financeiros”, afirmou Nobre, fazendo a ressalva de que a pesquisa ainda não foi concluída e que não é possível fazer um balanço final com os dados obtidos até então.

Mas um ponto que o conselheiro já arrisca a diagnosticar é de que a maioria dos cursos não forma devidamente nessa área. “A magistratura tem que estar mais qualificada.” Até o início do próximo ano, diz, o CNJ já quer ter o curso desenhado. “Às vezes, por falta de conhecimento, o juiz manda oferecer o tratamento mais caro”, constata. Nobre afirma que o juiz tem de fazer cumprir políticas públicas, mas da forma menos onerosa. “Cada Poder tem de fazer aquilo que lhe compete, da melhor forma possível, para o patrão de todos, que é o cidadão. O Judiciário quer fazer a parte dele bem feita.”

Por Marina Ito

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