Sobre a intermediação de fórmulas entre sede e filiais

Instituída, primeiramente pelo Decreto 793/93 e depois pela RDC 33/00 da Anvisa, a proibição de que as farmácias centralizem a manipulação de fórmulas é completamente ilegal.

Ditam as referidas normas:

a) Decreto 793/93:

“Art. 36…………………………………………………………………….

Parágrafo único. Somente as farmácias poderão receber receitas de medicamentos magistrais ou oficinais para aviamento, vedada a intermediação sob qualquer natureza”.

b) Resolução RDC 33/00 da Anvisa:

5.3.2. É vedada a captação de receitas contendo prescrições magistrais e oficinais em drogarias, ervanarias e postos de medicamentos, ainda que em filiais da mesma empresa, bem como a intermediação entre empresas.

Primeiramente cumpre ressaltar que o Decreto 793/93 já se encontra revogado pela Lei Federal 3181/99, portanto não surte mais efeitos jurídicos.

No entanto o que mais preocupa o setor magistral é o constante no item 5.3.2. da Resolução RDC 33/00 da Anvisa, que inclusive tem sido interpretada de forma a considerar a captação de receitas entre filial e matriz, prática penal instituída pelo artigo 12 da Lei Federal 6368/76, descrita como tráfico ilícito de entorpecentes e psicotrópicos e duramente apenada. Além das sanções administrativas que podem incorrer as farmácias que utilizarem esta prática.

Fato é que comumente as Farmácias que têm mais de um ponto, centralizam a manipulação de formas. Isso para facilitar o controle de qualidade, para minimizar o custo das fórmulas e para que possam ter em estoque número maior de insumos do que conseguiriam se tivessem que mantê-los em cada ponto. Não há como chamar de intermediação este fato já que matriz e filial constituem a mesma empresa.

Além de ser ilegal a vedação. Isso porque a Resolução editada por Órgão, mesmo que Federal, não tem o condão de legislar. Essa é uma competência dos Órgãos Legislativos.

A atribuição da Anvisa é regular a Lei no que couber. Isso é, não há como o Legislativo editar uma nova Lei cada vez que um novo insumo for criado, que uma nova fórmula for constutuída…por isso fica a cargo dos Órgãos Fiscalizadores do Governo editar normas que regularizem as Leis. No entanto, a norma afrontada passou a legislar vedando função às farmácias que a própria Lei não veda. Pelo princípio constitucional da legalidade, instituído pelo Art. 5º, II, da CF “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Ou seja, se a Lei não proíbe, não pode a norma regulamentadora proibir.

Extrapolou, portanto sua função.

A Anfarmag já conseguiu decisão favorável às Farmácias, neste sentido, quando editado o Decreto 793/93:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – ENTIDADE REPRESENTATIVA DE CLASSE – LEGITIMIDADE – AUTORIZAÇÃO – DESNECESSIDADE – DEC. Nº 793/93 – FARMÁCIAS – DECADÊNCIA – AVIAMENTO DE RECEITAS NÃO ENTREGUES DIRETAMENTE PELO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE.

Têm as entidades representativas de classe legitimidade ativa para defender direitos e interesses de seus associados, independentemente de autorização destes.

A associação de farmacêuticos tem legitimidade para impugnar interpretação de preceito contido no Dec. 793/93 que, embora dirigido às drogarias, atinge também as farmácias. A legitimação para figurar no pólo passivo pertence à autoridade competente para aplicar, no âmbito do Estado, punições pelo descumprimento da legislação federal, na área da saúde, por parte das farmácias. O prazo decadencial para impetração de mandado de segurança é de l20 dias.

O Dec. 793/93 extrapolou a Lei nº 5.991/73, vez que esta não impede as farmácias aviarem receitas repassadas por suas filiais, por

drogarias e hospitais. Recurso improvido.” (RESP 119122/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma – STJ, DJ. 16.08.1999, RSTJ 124/124). (grifos nossos)

Ao editar uma norma deve o órgão zelar para que ela não contrarie as hierarquicamente superiores. Principalmente quando tal norma pode ensejar interpretações que implicam, inclusive, como no caso, sanções penais.

“ Lei 6368/76:

Art 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Pena – Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

I – importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência física ou psíquica.

§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

I – induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

II – utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência fisica ou psíquica.

III – contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Art 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência fícisa ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

Ou seja, em que pese a norma ser ilegal, enseja a interpretação de que Farmácias que façam captação de fórmulas, por vedada pela Resolução, estariam infrigindo também o Código Penal Brasileiro.

Dra. Sandra Franco

Parecer do ano de 2005, escrito a pedido da Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais

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