Barriga de aluguel: entenda como funciona

Na novela Amor à Vida, o casal Niko e Eron, interpretados respectivamente pelos atores Thiago Fragoso e Marcello Antony, acabou de dar o primeiro passo rumo ao sonho de gerar um filho. Na trama, eles convenceram a amiga Amarilys (Danielle Winnits) a ceder seu útero para carregar o bebê por nove meses, ou seja, a famosa “barriga de aluguel”.

Esse termo é o mais conhecido para designar casos como o da novela, mas não é o mais correto. A palavra-chave que os especialistas costumam usar para a mulher que aceita ficar grávida é “cessora temporária de útero”. Segundo a advogada Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, o termo é inadequado porque o feto não se desenvolve na barriga, mas no útero, e porque “aluguel” remete a uma mercantilização que o Conselho Federal de Medicina (CFM) procura evitar. No Brasil, não é permitido que uma mulher cobre para emprestar seu útero.

A trama fictícia também explora um caso bem específico desse procedimento, que é a “gravidez” de um casal homossexual. De olho no aumento desse tipo de solicitação, o CFM alterou algumas regras para a cessão temporária de útero este ano. Antes, a voluntária deveria ser parente de primeiro ou segundo grau do casal. Outros casos eram avaliados individualmente pelo Conselho. Agora, o parentesco foi ampliado e as doadoras podem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau – o que inclui mãe, avó, tia ou prima. No entanto, em todos os casos a idade limite de 50 anos da voluntária deve ser respeitada.

Além dos casais homossexuais, podem recorrer à cessão temporária de útero casais que comprovadamente não sejam capazes de gerar um filho, como aqueles cuja mulher tem má formações no aparelho reprodutor. Se o homem e a mulher não forem estéreis, ou seja, produzirem óvulos e espermatozóides saudáveis, é possível realizar a fertilização in vitro e implantar o embrião com a carga genética dos pais na mulher que aceitou emprestar seu útero. Caso contrário, o casal pode recorrer à doação de óvulos ou espermatozóides, também realizada em clínicas de fertilização.

Para a paulistana Patrícia Cunha, 28 anos, a barriga de aluguel sempre foi a única saída para realizar o sonho de ter filhos. Aos 18 anos, ela descobriu ser portadora da síndrome de Rokitansky, que causa má formação no útero. O médico explicou que por conta disso ela nunca seria capaz de gerar um bebê. A princípio, sua ideia era usar sua mãe como cessora de útero. Quando Patrícia decidiu “engravidar”, a futura avó aceitou a proposta, mas sua saúde não permitiu que o plano se concretizasse.

Ao saber do que estava acontecendo, a cunhada de Patrícia, Marcela Cunha, se ofereceu para gerar a criança. Como Marcela não possuía parentesco consanguíneo, a família precisou pedir uma autorização do CFM para realizar o procedimento.

Como em todos os casos de cessão de útero, o casal e a cunhada precisaram passar por avaliações psicológicas e exames médicos. Isso é necessário para avaliar se as duas partes estão cientes de seu papel no processo, como pai e mãe ou como a pessoa que vai gerar o bebê. O fato de Marcela já ter uma filha também foi importante. Os especialistas recomendam que a cessora temporária de útero já tenha filhos, pois isso diminui os conflitos emocionais no momento de entregar o bebê. Se a maternidade for algo bem resolvido para ela, é mais fácil entender que o filho não é seu e não se apegar demais à criança. “Foi emocionante quando Marcela se ofereceu, a gente não esperava que viesse uma ajuda tão de perto, foi uma alegria. Eu tinha medo de colocar a saúde dela em risco, mas fizemos vários exames e está tudo bem”, disse Patrícia.

O Conselho concedeu a autorização e os três iniciaram o tratamento no Centro de Reprodução Humana do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia (IPGO). Patrícia recebeu hormônios para estimular a produção de óvulos e viabilizar a fertilização in vitro e Marcela tomou os medicamentos para preparar seu organismo para a gestação. A primeira tentativa, em janeiro deste ano, não deu certo. Na segunda tentativa, em abril, dois óvulos foram implantados e já se sabe que um deles vingou. No primeiro ultrassom não foi possível identificar se serão duas crianças ou uma, mas o casal está na expectativa para o próximo exame. No final de junho, quando CRESCER conversou com as duas mulheres, Marcela já estava no terceiro mês de gestação.

“Eu estou muito tranquila com esse processo. Há 10 anos sei que não posso ter filhos e já estava me preparando. É o único jeito de realizar um sonho nosso. Meu marido reagiu melhor do que eu esperava, agora está ansioso pra saber o sexo do bebê e se serão dois ou um. Gostaríamos de dois, pois essa vai ser a única oportunidade. Eu agradeço muito a Marcela, mas não a faria passar por isso novamente”, conta Patrícia.

A consciência de Marcela também está tranquila. “Eu me ofereci porque gosto muito do meu irmão e da minha cunhada. Ele é muito apegado à minha filha e, por isso, eu tomei essa decisão. Na minha cabeça está muito claro que quem vai nascer é minha sobrinha e acho que vai dar tudo certo”, diz. Para a filha de 4 anos ela está explicando tudo desde o início do processo. “Ela entende numa boa, brinca com minha barriga dizendo ‘o filhinho da dinda tá aí, posso conversar com ele?’”

Marcela afirma que a experiência da segunda gravidez está sendo diferente, pois está tomando mais cuidados do que quando estava grávida de sua própria filha. “Eu me sinto muito mais responsável”. Mãe e cunhada se falam quase todo dia pela internet, pois Marcela mora em Maceió. Durante o mês de julho, as duas passarão alguns dias juntas para que Patrícia possa ficar um pouco mais próxima e acompanhar alguns exames.

Para evitar problemas

Segundo a advogada Sandra, quando o casal encontra uma parente disposta a ceder seu útero, é essencial firmar um contrato e os médicos devem incentivar o casal a fazê-lo. “É necessário estabelecer os direitos e obrigações dos envolvidos: qual médico que acompanhará o pré-natal, quando o bebê deverá ser entregue aos pais; se o bebê será amamentado, onde, por quanto tempo; quem pagará exames de imagem e outros que se fizerem necessários, se houver, por exemplo, alguma intercorrência na gravidez que impeça a mulher de trabalhar se os pais arcarão com o salário que ela vai deixar de ganhar; enfim, todas as questões previsíveis para que o relacionamento entre pais e a cedente do útero não passe por desgastes necessários e não haja conflito sobre a quem “pertence” o bebê”, explica.

Apesar de no Brasil os casais não poderem pagar uma pessoa exclusivamente pelo empréstimo do útero, há a possibilidade de oferecer uma ajuda de custo relacionada aos gastos relacionados à gravidez, à saúde da mulher e do feto. A quantia e os detalhes dessa ajuda devem estar nesse contrato.

Se a família encontrar uma mulher disposta a enfrentar a gravidez e ela não estiver contemplada pela resolução do CFM (parente consaguíneo até quarto grau), o médico deve pedir autorização para o Conselho Regional de Medicina, explicando a razão de o casal ter escolhido uma amiga ou uma pessoa sem laços com a família. Só após a autorização é que o procedimento deve ser realizado.

Confira amtéri ano site da Revista Crescer: http://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Planejando-a-gravidez/noticia/2013/07/barriga-de-aluguel-entenda-como-funciona.html

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