Importação de médicos: uma realidade intransponível

Não há mais sentido em protestar contra a importação de médicos no Brasil. Sem observar as manifestações das entidades de classe e agora também do Ministério Público, o Governo Federal segue com seu programa “Mais Médicos”, a despeito de qualquer argumento que a sociedade, em especial, a classe médica, tenha usado para criticar a medida.

Existem, de fato, contradições no projeto, porém é certo que não se apontou outra estratégia para resolver o problema, inclusive porque não se pode resolver com uma canetada um problema que vem se agravando há décadas e sobre o qual os governos sucessivamente tomaram medidas paliativas. Mas, então, por que se esperou que a saúde ficasse às moscas para então se adotar medidas “emergenciais”?

Esse questionamento é essencial para que se entenda o real significado da presença dos médicos estrangeiros. Há mérito no programa anunciado e agora executado pelo governo. Mas, nem de longe pode-se dizer que foi “emergencial”. A possibilidade de médicos cubanos virem para o Brasil já era discutida pelos governos brasileiro e cubano. Tanto o é que os cubanos já estavam aprendendo português e sendo capacitados com aulas sobre as principais doenças contagiosas comuns brasileiras.

Se é verdade que não existem médicos em muitos municípios do país, é também verdade que falta um plano de carreira para os profissionais. Se é verdade que os médicos não desejam trabalhar nos rincões, é também verdade que a falta de condições (equipamentos, exames, remédios, macas etc) para exercer o ofício afasta muitos profissionais brasileiros da periferia.

Os médicos cubanos irão para onde forem designados e lá devem trabalhar. Em razão de suas famílias terem ficado em Cuba, os salários serem pagos por aquele país (após a retenção de grande parte por aquele governo) e eles não terem liberdade para “ir e vir”, há um desconforto na sociedade. No entanto, tal sensação se dissipa ao se pensar em realidade daqueles que hoje não têm atendimento emergencial, ambulatorial e tampouco um programa de promoção à saúde. Se é assim que precisa ser, assim seja.

Para além de uma discussão sobre a formação desses médicos e a ausência de uma prova para validar o diploma estrangeiro, o fato inconteste é que nem os gestores entenderam bem o conceito de urgência presente na MP. Veja-se que alguns prefeitos já pensaram em demitir seus médicos para reduzirem seus custos. Então, para eles, não havia emergência na contratação de médicos?

Há outros municípios que já anunciaram que usarão a prerrogativa de só aceitarem médicos que passem pelo Revalida. Também para esses não há a falta de profissionais? Entre a saúde de seus munícipes e a verificação dos conhecimentos dos médicos estrangeiros, não apresentaria maior peso a urgência de centenas de pessoas por um atendimento? Ou, os médicos cubanos podem ser bons para tratarem de outros brasileiros, mas não os doentes daqueles locais, enfim.

A saúde continua sendo o calcanhar de Aquiles desse governo, como já foi de outros. E continuará sendo. Essencial que se efetive realmente um programa de promoção à saúde, com a prevenção de doenças e diminuição de uma medicina “hospitalocêntrica”, com uma sociedade mais educada e saudável. A população precisa ser cientificada de que a solução encontrada para a falta de médicos não está resolvendo o problema da saúde. É um band-aid para tentar estancar o sangue, todavia, não trará a cura.

*Sandra Franco é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e vice-presidente na Associação Latino Americana de Direito Médico. – [email protected]

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