O desafio do avanço da Telemedicina nos serviços de saúde no Brasil

Sandra Franco*

O Direito constata as mudanças sociais e científicas e tenta traduzi-las em normas escritas e dar-lhes eficácia mediante sanção coercitiva. Quando um fato que se apresenta à sociedade precisa ser regulamentado de forma a que sua repetição não represente perigo aos direitos fundamentais, aos usos e aos costumes nasce a lei. Em nada seria diferente, portanto, com relação à aplicação da telemedicina e a telessaúde – esse momento é o momento de pensar sobre a regulamentação sob o aspecto profissional, legal e ético.

Segundo uma definição da OMS (1997), a Telemedicina/Telessaúde é oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde, nos casos em que a distância é um fator crítico, ampliando a assistência e também a cobertura. Tais serviços são fornecidos por profissionais da área da saúde, usando tecnologias de informação e de comunicação para o intercâmbio de informações válidas para promoção, proteção, redução do risco da doença e outros agravos e recuperação. Além de possibilitar uma educação continuada em saúde de profissionais, cuidadores e pessoas, assim como, facilitar pesquisas, avaliações e gestão da saúde. Sempre no interesse de melhorar o bem estar e a saúde das pessoas e de suas comunidades.

No Brasil, a aplicação da telemedicina e a telessaúde apresenta parcial regulamentação pelo Ministério da Saúde, pelas Portarias que dispõem sobre seu uso na rede pública. As Portarias de nº 402/2010, nº 2.546 /2011 e nº 2.554/ 2011 versam sobre o Programa de Telessaúde Brasil no SUS, enfatizando sua importância na atenção básica à saúde.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) criou resoluções em que estabelece alguns limites éticos e técnicos para a chamada e-health, por exemplo, a Resolução CFM nº 1.821/2007 indica como poderá ser a digitalização de documentos médicos, sua guarda e manuseio, autorizando a eliminação do papel e a troca de informação identificada em saúde. No Congresso Nacional, há alguns projetos tramitando, entre eles o PL 4.505/2008, a qual, inclusive, trouxe provocou certa discordância entre o CFM e o Legislativo quanto a quem compete regulamentar aspectos éticos e profissionais que envolvam os médicos.

Senso comum é que não se pode perder de vista a determinação expressa no artigo 5º da Constituição Federal que garante a inviolabilidade do direito à segurança. Nessa previsão, incluem-se o sigilo de dados, “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem”. O Direito terá de dar conta dessa garantia constitucional e igualmente garantir o direito de acesso à saúde com uso da tecnologia.

Outro questionamento que exsurge e’ o de quem seria o responsável, caso houvesse um dano ao paciente, em uma situação em que a telessaúde tivesse sido um dos elementos na assistência daquela pessoa. Em tese, não seria em nada diferente do que hoje já ocorre em casos de erro médico. Na prática, um profissional e/ou uma instituição seriam colocados como réu de uma ação judicial indenizatória (ou penal) e somente quando da análise do mérito, com perícia técnica, o magistrado teria subsídios para decidir se a alegação era infundada. Se considerarmos a solidariedade entre os prestadores de serviços, haverá uma cadeia de envolvidos que, se não acionados diretamente pela vítima, poderão responder em uma ação regressiva.

A Resolução de 1.643/2002 do CFM dispõe sobre aspectos éticos da telemedicina. Seu artigo 4º identifica que será o médico assistente responsável pelo paciente, sendo que os demais envolvidos responderão solidariamente na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo. Essa determinação por si é um norte em uma situação em que é bastante difícil mensurar a responsabilidade de cada um daqueles envolvidos em um atendimento. Já o art.5º da mesma resolução define que a prestação de serviços por pessoas jurídicas, além de ter sua inscrição no CRM do Estado em que estão situadas, precisam da nomeação de um responsável técnico médico. Se for pessoa física, deverá estar inscrito no CRM da região em que atua.

O CFM condena a prática da consulta à distância, se o médico assistente não tiver uma relação prévia com seu paciente, conforme a Resolução nº 1974/ 2011 o Código de Ética Médica, em seu art. 3º, “j”. Entretanto, se para consultas on line há obste, já não o há, por exemplo, para os exames de imagem podem ser realizados por técnicos (desde que treinados) e laudados por médicos, que não tem qualquer contato com o paciente. Mas como as instituições de saúde devem se adaptar nessa época de tantos avanços tecnológicos para garantir a privacidade do paciente? Essa discussão ocorre em vários países.

No Brasil, a já referida Resolução 1643/2002 dispõe que as informações sobre o paciente só podem ser transmitidas a outro profissional com sua prévia autorização, por termo de consentimento livre e esclarecido, com a garantia de confidencialidade e integridade das informações. O Art. 5º da CF, em dois de seus incisos, estão dispostos direitos do paciente que podem ser desrespeitados na prática da Telemedicina: inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e ad imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral; garantia de que todos têm acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Se o paciente não autorizar uso das imagens ou informações confidenciais, em tese, estará sendo cometida uma infração ética, além de um ilícito penal previsto no Art. 154 do Código Penal, com pena de detenção prevista de 3 (três) meses a um ano ou multa.

Existe um contraponto tênue entre o direito à privacidade e o interesse social. Os Códigos de Processo Penal e de Processo Civil apresentam disposições desobrigando aquele que tem o dever de sigilo de violá-lo, se houver prejuízo ao “dono” das informações, por exemplo, caso o médico seja intimado a testemunhar em um processo. As informações são de propriedade do paciente, ele deve ter ciência do que está registrado e consentir.

Mister a revisão das normas. Faz-se essencial garantir ao cidadão a confidencialidade, a integridade das informações, a disponibilidade das organizações de saúde.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), conselheira no Conselho Municipal de Saúde (COMUS) de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – [email protected]

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