Sandra Franco fala sobre saúde pública no jornal O Vale

Segue o link da matéria na integra: http://www.ovale.com.br/regiao/rmvale-tem-deficit-superior-a-500-medicos-na-rede-publica-1.446443

Vale tem déficit superior a 500 médicos na rede pública

Xandu Alves
São José dos Campos

A Região Metropolitana do Vale do Paraíba tem um déficit estimado em mais de 500 médicos na rede pública de saúde das cidades. O número representa cerca de 30% de aumento para o atual número de profissionais contratados pelas prefeituras, seja por concurso ou por organização social.O fosso entre a demanda de pacientes e a oferta de médicos é maior nas cidades com menos de 50 mil habitantes, que somam 27 dos 39 municípios da região.

Na RMVale, estima-se que o total de médicos das redes municipais de saúde chegue a 1.900 profissionais, para pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde).O número foi levantado com base em dados do Ministério da Saúde e fornecidos pelas prefeituras.

Para uma população de 2,406 milhões de habitantes, a região precisaria de, pelo menos, 2.470 médicos. Assim, as cidades atenderiam o preceito da OMS (Organização Mundial de Saúde) que preconiza um médico para cada grupo de 1.000 habitantes. Como está hoje, a região conta com um médico para cada grupo de 1.266 habitantes, índice considerado inadequado.

Desafio

“A falta de médicos hoje já é evidente. E a tendência é que aumente, pois a população está aumentando e envelhecendo”, diz Gilson Carvalho, médico pediatra e de saúde pública.

“Morre e sofre gente pela falta de assistência médica. Não lá longe, mesmo na nossa região do sudeste maravilha! Na melhor das hipóteses falta de atendimento na prevenção e começo da doença, provocando dor e muitas vezes a morte”, disse.

O desafio dos gestores públicos –prefeitos e secretário de saúde– é encontrar maneiras de fixar o médico no serviço público. Uma delas é aumentar os salários, que são considerados baixos. A outra é conceder benefícios para quem quiser atender nas periferias.

Entrevista com Gilson Carvalho, médico de Saúde Pública

As cidades dizem que faltam médicos para contratar. Porque isso ocorre?
Há várias causas. A profissão é das poucas, senão a única, que goza de mercado pleno. Mais postos de trabalho vagos que a quantidade de médicos disponíveis. Diante disto, entra-se na lógica de mercado. Há condições oferecidas pelas cidades que o médico vai levar em conta, o que pode provocar concorrência entre elas. O mecanismo mais comum de resolver esta disputa é via diferença salarial a maior, mostrando o quão determinante é este fator.

O serviço público não é atraente ao médico?
É um circulo vicioso onde os vícios se somam dos dois lados. O médico pode escolher trabalhar num plano de saúde em que a carga horária deva ser cumprida na íntegra e o salário e condições de trabalho não são tão melhores às que o público oferece. Mas, tem outras vantagens, como, por exemplo, ter um hospital onde tratar seus pacientes. Sempre são avaliadas e pesadas vantagens e desvantagens.

Faltarão médicos no país?
A falta de médicos hoje já é evidente. A tendência é que aumente, pois a população está aumentando e envelhecendo, os serviços de saúde crescendo e se especializando, o que cria novos postos de trabalho. O problema não é apenas futuro. É presente. Morre e sofre gente pela falta de assistência médica. A maior carência hoje é a de pediatras e clínicos gerais com formação específica. Mas, por vezes a falta de especialistas, como neurologistas, ortopedistas e dermatologistas, chama mais a atenção.

O que o sr. achou dos médicos estrangeiros vindo ao país?
Acho que temos que fazer algumas reflexões. O programa Mais Médicos tem questões extremamente positivas e outras negativas, o que não o torna aberração.

As prefeituras erram ao não investir na prevenção?
Os erros são vários. Um deles é focar a ação na doença e sua assistência, e não na prevenção. Mas não se deve cair no falso maniqueísmo de contrapor assistência e prevenção. As duas são necessárias dentro de um equilíbrio.

Cidade pode criar mutirões e consórcios

Sair da zona de conforto e encontrar soluções criativas e factíveis para o problema da falta de médico. Essa é a sugestão do presidente da Associação Paulista de Médicos de São José dos Campos, Sérgio Ramos, para as cidades da região que não conseguem suprir a demanda por médicos na rede pública.

O problema é maior entre os municípios com menos de 50 mil habitantes, que não conseguem pagar um salário suficiente para atrair médicos para o serviço público. Tampouco têm orçamento para montar uma equipe capaz de atender a demanda da cidade.

Ramos sugere que essas municípios se juntem em consórcios regionais para oferecer o atendimento em saúde, com ideias como consultório volante, mutirões e atendimento consorciado.”Pode ser uma solução para as cidades pequenas, que encontram muitos problemas no orçamento para conseguir montar uma equipe de médicos na rede pública”, diz ele.

Desmotivado

O pediatra Antônio Santos, 47 anos, deixou o Vale do Paraíba há 10 anos para tentar a sorte em São Paulo. Ele formou-se em uma faculdade privada paulista e não conseguiu emprego na rede pública, por concurso.

“Trabalhei em quatro cidades do Vale, mas não me senti motivado em nenhuma delas. Resolvi largar a estabilidade do emprego por concurso e aceitei um convite de um plano de saúde da capital”, conta o profissional.

Histórias como a dele são cada vez mais comuns na região, que sofre com a falta de médicos nas redes municipais de saúde. Para Ramos, há também um problema de mercado, que acabou provocando nas faculdades uma corrida pela especialização, diminuindo os médicos generalistas.

PROGRAMA LEVA MÉDICO AO DOENTE

No Estratégia Saúde da Família, equipe de médicos e enfermeiros visitam pessoas na periferia para trataros doentes e incentivar a busca por uma vida saudável; só em São José, projeto beneficia 4.000 pessoas

A dona de casa Irani Ribeiro, 39 anos, não vai ao médico há mais de ano. E a saúde da família, incluindo a do filho Bruno, 22 anos, que tem deficiência mental, só melhorou.

Ao invés de sair de casa para enfrentar filas em unidades de saúde lotadas, Irani recebe calmamente a visita do médico e de agentes de saúde na própria residência, todos os meses. Sem pagar nada.

Moradora da zona rural de São José dos Campos, no bairro Bonsucesso, na região norte, Irani é uma das 4.000 pessoas atendidas pela equipe da ESF (Estratégia Saúde da Família) do bairro, que faz visitas periódicas aos moradores, controla doenças e incentiva a vida saudável.

Para especialistas, a estratégia é uma das melhores formas de reduzir as filas em postos de saúde e hospitais e ainda prevenir doenças. Em São José, quatro equipes atuam na zona norte: uma em Bonsucesso e três no Buquirinha. Outras duas estão sendo implantadas: Limoeiro e no distrito de São Francisco Xavier, e a intenção da prefeitura é ampliar.

“Os erros das prefeituras são vários. Um deles é focar a ação na doença e sua assistência, e não na prevenção”, afirma Gilson Carvalho, médico pediatra e de saúde pública.

Vale

A Região Metropolitana do Vale tem 238 equipes de ESF, contando com 1.452 agentes comunitários de saúde, que são a ponta de lança do serviço de atenção básica. Além deles, os grupos têm médico, enfermeiro e auxiliar.

É pouco para impactar nos índices de saúde dos municípios, como ocorre nos locais onde a estratégia está implantada. “Estamos avaliando o serviço com números, mas dá para dizer que as pessoas atendidas deixaram de ir mais vezes ao serviço de emergência”, diz Paula Helena Ribeiro, gerente de equipes de ESF de São José.
Para a dona de casa Irani e o marido, o motorista José Juliano Ribeiro, 45 anos, a visita do grupo é acompanhada de “muita felicidade”. “A gente tinha dificuldade em levar o Bruno à médica, mas agora é ela quem vem”, diz Ribeiro.

Área

A Saúde da Família utiliza uma base fixa para abrigar a equipe de profissionais, que atendem em uma área delimitada com até 4.000 pessoas. Os moradores são cadastrados, acompanhados e incentivados a ter uma vida mais saudável.

“A estratégia permite deixar a superficialidade do clínico e atender a família como um todo, olhando pais, filhos e netos”, diz a médica Rafaela Neves, da equipe de Bonsucesso.

Para a assistente de enfermagem Maria Laura Campbell, o que muda é o vínculo que se forma entre os profissionais de saúde e os pacientes. “Voltamos aquele modo antigo de fazer medicina”, disse.

PONTO DE VISTA

Sandra Franco, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Civil Hospitalar da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São José, acredita que falte no país a regularização de uma carreira pública, de Estado, para os médicos. Nos moldes do que é feito com juízes e promotores, que recebem um alto salário inicial, com regras claras de trabalho e em troca dedicam-se com exclusividade à carreira. “Existe um mercado grande e não há atrativo para o profissional médico entrar na carreira pública”, disse ela. “Para eles, não têm carreira de dedicação exclusiva”.

Nacime Salomão Mansur, superintendente das instituições afiliadas à SPDM (Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina), diz que financiamento e gestão em saúde pública se combinam. “Quanto menos recursos tiver, mais gestão precisa fazer”. Para ele, o país precisa gastar mais com saúde pública. “O gasto público é menor do que os gastos privados. É preciso inverter essa lógica e subir o gasto público”, afirmou o executivo.

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