Retrato de uma saúde sucateada

Sandra Franco*

A falta de medicamentos e materiais cirúrgicos para procedimentos foram as causas apontadas para o fechamento do pronto-socorro da Santa Casa de Misericórdia, um dos principais institutos de saúde de São Paulo. A situação precária e de caos vivida no hospital paulista é um retrato triste, mas representa um espelho fiel do que pode ocorre na maioria dos hospitais públicos.

A crise financeira na saúde brasileira é anunciada há tempos. O caso da Santa Casa de São Paulo pode provocar uma reação em cadeia. A situação do hospital paulista relatada na mídia por profissionais que lá trabalham é de que os serviços no pronto-socorro foram interrompidos porque não havia materiais básicos como luva, seringa, antibiótico, lâmina, maca, entre outros. A dívida com fornecedores, motivo do fechamento, é de R$ 50 milhões, dentre os 400 milhões no total. Se esse cenário encontra-se em São Paulo, o que se poderá esperar do panorama da saúde em Estados mais pobres?

A Santa Casa é um hospital filantrópico privado. O atendimento é financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e complementado pelo governo do estado. A instituição é considerada o maior centro médico filantrópico da América Latina, e funciona como hospital-escola da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, uma das melhores do país.

Independente dos culpados pela crise financeira, o Governo de São Paulo deveria monitorar os investimentos de seus recursos e a qualidade do atendimento aos pacientes.

O caso nos remete a um passado não tão distante em que cartazes de protestos cobravam “Saúde Padrão FIFA”. Este era um dos apelos mais vistos durante todas as manifestações que acontecerem no período pré e durante a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil.

A Copa do Mundo foi um bom negócio para o Brasil? E para a saúde brasileira? Possivelmente, para alguns setores como turismo e comércio foi um período de aquecimento e de novos negócios e conquistas. Mas, setores essenciais para o desenvolvimento do país como educação e saúde não tiveram nenhum legado significativo.

De acordo com dados oficiais, os recursos financeiros gastos com a Copa do Mundo são de cerca de R$ 30 bilhões. A construção dos estádios consumiu cerca de R$ 8 bilhões. O restante dos valores, segundo o Portal da Transparência, foi investido em infraestrutura: aeroportos, mobilidade urbana, segurança pública, telecomunicações e portos. Sem dúvida, deve-se louvar investimentos em infraestrutura, mas, comparado ao montante gasto, o que se fez foi pouco.

Grande parte deste dinheiro é público e a sociedade esperava uma melhoria ampla também nos serviços de saúde; ao menos nas cidades onde os jogos ocorreram e em milhares de estrangeiros observavam nossa realidade. Em um passado não distante, durante os preparativos para o maior evento mundial do futebol, caiu um viaduto em Belo Horizonte, construído às pressas para ser entregue no período da Copa.

O acidente custou a vida de duas pessoas e feriu outras tantas, que certamente foram socorridas nos hospitais da região. Interessante questionar se os hospitais mineiros receberam algum aporte por conta da Copa. Algum hospital ou centro de saúde brasileiro foi beneficiado pelo maior evento de futebol do mundo? Qual o efeito para a sociedade se o montante destinado ‘a construção de estádios fosse revertido para o orçamento da saúde no Brasil?

Por certo, surgiria um cenário diferente das precárias instalações sanitárias públicas espalhadas pela “terra brasilis”. A União, os Estados e municípios não investem o necessário na saúde pública ou, sob outra ótica, os recursos investidos são mal gerenciados.

O resultado é uma população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS) enfrentando atendimento ineficiente para a demanda, longas filas para atendimento, falta de leitos, de médicos, de estrutura e equipamentos, além de pacientes jogados em enfermarias improvisadas em corredores. A saúde pública atende à classe menos favorecida da população. Segundo números do IBGE, dos 431 mil leitos contabilizados em 2009, 279 mil (65%) estão na rede hospitalar privada e 152 mil (35%) na rede pública. O Brasil perdeu 11,2 mil leitos hospitalares entre 2005 e 2009, segundo o mesmo instituto. Qual a explicação?

Pergunta-se se o caso da Santa Casa paulista será tratada como fato isolado mais uma vez.

A saúde será um dos temas mais debatidos e explorados pelos candidatos nas próximas eleições – o que seria positivo se as promessas não passassem somente de palavras ao vento. O país precisa de ações concretas e urgentes para estancar de verdade, sem paliativos, o sucateamento da saúde brasileira.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), conselheira no Conselho Municipal de Saúde (COMUS) de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – [email protected]

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