A responsabilidade de ser mãe e a escolha do parto

Sandra Franco*

No próximo dia 10 de maio, será comemorado o “Dia das Mães”, importante data para a família se reunir e abraçar as mulheres que assumiram a grande responsabilidade de possibilitar surgimento de nosso maior bem: a vida. Será também um dia para as futuras mamães refletirem sobre as escolhas que terão que fazer para o momento do parto.

Isso porque, como forma a estimular a redução das cesarianas, o Ministério da Saúde e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiram adotar ações conjunta para incentivar o parto normal e humanizado e reduzir o número de cesarianas realizadas nos hospitais e maternidades brasileiras. Essas ações geraram uma série de dúvidas entre as famílias e profissionais da Medicina.

Pelas novas regras da ANS, presentes na Resolução 368 de janeiro de 2015, amplia-se o acesso das usuárias dos planos de saúde a informações que, em tese, poderiam interferir na escolha sobre a via de parto, por exemplo: em quais instituições realizam-se mais cesarianas, quantos partos e os tipos cada médico obstetra realiza, entre outras.

No entanto, qual o peso dessa informação na decisão da paciente? Um profissional que realize mais cesarianas durante seu plantão, por exemplo, será aquele a ser evitado pela paciente que deseja um parto normal? Supondo que seja apenas este o profissional presente e que haja indicação para a cesariana por questões inerentes ao trabalho de parto? Haverá a rejeição pela paciente? Apresenta-se inócua tal medida.

Sem dúvida, a decisão sobre a via do parto deve ser resultado de escolhas responsáveis, que levem em consideração a saúde da mulher e do bebê. Um exemplo: a cesárea não precisa ser uma opção para a mulher que não quer sentir dor, pois é possível haver analgesia também durante um parto normal; mas as mulheres têm sido informadas sobre esta opção? E mais: os anestesiologistas plantonistas estão preparados para o procedimento sem que essas mulheres deixem de sentir as contrações?

A mulher também precisa saber e consentir com certas práticas antes, durante e pós o parto, algumas hoje consideradas violências obstétricas (exames de toque em excesso, Manobra de Kristeller, episiotomia), quando não autorizadas pela paciente. No entanto, não são práticas que precisam ser abolidas, uma vez que também possuem indicação médica e não têm como escopo a maleficência – o mesmo de deve dizer sobre o uso estigmatizado do fórceps – há circunstâncias em que o bebê morrerá se o instrumento não for utilizado.

E se, diante de todas as informações, a mulher decidir pela cesariana, por motivos que não sejam médicos, estará legalmente impedida de a realizar? Não, por óbvio. Mas, haverá glosas dos planos de saúde para a realização dos pagamentos dos partos? Não poderia.

Evidentemente, a reação da classe médica, em um primeiro momento, principalmente dos obstetras, e de que se terá um evidente aumento de trabalho, a começar pelo preenchimento de mais documentos. Um desses documentos recomendados, importantíssimo diga-se, é o partograma. Mas, condicionar o pagamento do parto à elaboração do partograma parece equivocado. Por certo, haverá a grita dos prejudicados.

Vale ressaltar que as mães que planejam suas gestações, planejam também o nascimento de seus filhos, segundo suas conveniências. Sem qualquer julgamento sobre essas decisões, entendendo-as como fruto de uma mudança cultural, surge um chamamento para a reflexão sob o ponto de vista da saúde pública.

Não é demais dizer que a ausência de escolha (e suas consequências) está mais ligada à classe menos privilegiada, na qual a mulher realiza o parto que for possível, nas condições que se lhe impuserem. Revela-se assim uma gritante diferença entre os setores privado e público. Enquanto em um, 80% dos partos são cesáreas; em outro, esse índice alcança a metade desse percentual.

Afinal, mamães e bebês acabaram por serem beneficiados com essa mudança no nascer? Sim e não. É fato que à cesárea pode ser atribuído o controle de agravos ao parto, em especial no que se refere à saúde dos bebês. Verifica-se, entretanto, a contrapartida de significativo aumento da mortalidade materna. Somando-se a isso, existem estudos que apontam incidência de prematuridade e baixo peso ao nascer e possibilidade de associação da cesárea com o sobrepeso na infância, adolescência e na idade adulta jovem.

Porém, para o governo brasileiro, a alta taxa de cesárea no país representa, além do aumento de riscos desnecessários, elevados gastos com o procedimento cirúrgico. Os países mais desenvolvidos buscam o controle das taxas de cesarianas realizadas, almejando o ideal de que sejam fruto apenas de indicação médica e não somente escolha das mães para que não sintam dor durante o parto ou ainda para que se possa atender à necessidade de os médicos não estarem à disposição full time da mãe natureza, por assim dizer. Aliás, nesse sentido, registre-se que 95% das cesáreas ocorrem durante o período diurno.

Há associações de mulheres organizadas na luta pelo parto humanizado, o que significa dizer que mulheres gestantes exigem um tratamento diferenciado para um procedimento que não se compara a qualquer outro na Medicina. Isto porque a gravidez não é uma doença e o que a paciente busca em um hospital não é cura, mas sim o apoio necessário para trazer ao mundo um novo ser humano. O parto é um fenômeno natural, mas hoje a cultura hospitalocêntrica tem provocado uma excessiva intervenção médica.

Outro agravante neste novo modelo também e o grande número de cesáreas que estão ocorrendo no sistema de saúde suplementar no Brasil pela redução progressiva do número de leitos obstétricos nos hospitais e maternidades credenciados, a falta de ambiência adequada nos hospitais e maternidades e a falta de equipes de plantonistas presenciais apropriadas para assistência obstétrica nas maternidades.

Observe-se que há no SUS casas especializadas para realização de partos naturais, o que é possível ocorrer em mulheres saudáveis e preparadas para o momento. Um acompanhamento pré-natal é essencial para avaliação das gestantes aptas à realização desse tipo de parto. Em certos casos, a presença do médico pode ser prescindida, nas chamadas casos de parto, desde que haja uma maternidade próxima para o caso de eventual complicação, sempre imprevisível.

A Constituição Federal garante a liberdade do cidadão. Aliás, a autonomia do paciente está entre os princípios da Medicina. Resta evidente, porém, que nenhuma escolha sem informação está cravada pela consciência das consequências. Neste sentido, a demonização de uma ou outra via de parto somente serve para desinformar, o que sempre é o único meio incapaz de trazer benefícios.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública – [email protected]

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