Novo capítulo do direito à reprodução assistida versus planos de saúde

Sandra Franco*

A infertilidade, drama de uma série de famílias brasileiras, deve ganhar um novo capítulo polêmico entre as operadoras de saúde, os pacientes e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O caso está sendo discutido no Ministério Público Federal. Uma representação encabeçada por dez mulheres que enfrentam a infertilidade pede que a ANS inclua no rol de procedimentos obrigatórios os tratamentos de reprodução assistida.

A infertilidade é considerada doença pela CID (Classificação Internacional das Doenças), e há lei federal obrigando a cobertura do planejamento familiar (que inclui concepção e anticoncepção). Contudo, a legislação que rege os planos de saúde desobriga as operadoras de oferecer a reprodução assistida.

O argumento jurídico seria o e que a lei nº 11.935, em vigor desde 11 de maio de 2009, acrescentou ao artigo 35-C da lei de planos de saúde (nº 9.656/98) a obrigatoriedade à assistência ao planejamento familiar. Em se tratando de um direito, deveriam estar disponíveis no rol de procedimentos obrigatórios, os métodos e técnicas de concepção e anticoncepção, cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (artigo 9º).

Com isso, a lei de planos de saúde foi expressamente alterada para garantir a cobertura ao planejamento familiar. Ou seja, não há explicação legítima para exclusão da inseminação artificial ou da fertilização in vitro da cobertura já que a lei de 2009 revoga lei anterior incompatível.

O objetivo do referido grupo de mulheres é obrigar a ANS a incluir o tratamento na atualização do rol de procedimentos obrigatórios, que entrará em vigor em janeiro de 2016 e que está atualmente em processo de consulta pública. Nas clínicas privadas, onde o tratamento é oferecido desde 1982, cada ciclo de fertilização in vitro custa de R$ 9 a R$ 25 mil. No SUS, o procedimento está previsto desde 2005, mas poucos serviços públicos o disponibilizam. Quase não há vagas, e a espera passa de cinco anos.

A maioria dos países europeus subsidia parcial ou integralmente a reprodução assistida. A França, por exemplo, paga 100%. Na América Latina, Argentina e Uruguai tornaram o procedimento obrigatório na rede pública e no sistema privado de saúde.  

As entidades que englobam as operadoras, como Abramge e Fenasaúde, defendem que a reprodução assistida não faz parte das coberturas obrigatórias que estão previstas no rol de procedimentos da ANS. As entidades alegam que deve ser feito um estudo antes de iniciar um debate sobre obrigar os planos de saúde a cobrirem a reprodução assistida aos beneficiários. Isso serviria de base para medir a viabilidade e os impactos econômico-financeiros que a medida pode trazer para as operadoras de saúde e para os clientes que pagam os planos.

A ANS, por sua vez, assevera que o rol de procedimentos inclui exames e tratamentos que já indicariam um adimplemento ao dispositivo da lei de planejamento familiar, pois só indicados para tratamento e diagnósticos da infertilidade. Cita entre eles: exames hormonais, ultrassom, histeroscopia, laparoscopia, cirurgias e exames de esperma.

É fato que Medicina e Direito precisam de aproximação e da troca de subsídios técnicos, até para que se evite o excesso de Judicialização e consequente interferência do Judiciário sobre a saúde, pública ou privada. Não obstante, processos e processos são todos os dias propostos com o mesmo interesse: a garantia de direitos fundamentais. Seria mesmo necessário que o Estado fosse sempre chamado a se manifestar? A que preço, humana e economicamente, é mantida a máquina do Judiciário? Não há outros caminhos a percorrer, mais rápidos, para quem pleiteia seus direitos?

Se a garantia legal ao planejamento familiar está prevista inclusive na lei que rege os planos de saúde, por que o referido estudo para analisar o impacto econômico sobre os custos dos planos já não foi feito anteriormente? Qual é o universo de mulheres que precisará recorrer a esse tratamento?

Vale destacar que entre os temas mais discutidos na Justiça brasileira, que envolvem a medicina, estão: a cobertura de procedimentos pelos planos de saúde, fornecimento de órteses e próteses, consequências jurídicas de métodos artificiais de reprodução, direitos dos transgêneros e de filhos de casais homossexuais gerados por reprodução assistida.

O aspecto positivo desse movimento gerado pelas dez mulheres está em se trazer a discussão novamente essa problemática, possibilitando que especialistas que se posicionem tecnicamente, observando que há dois lados, em um momento em que e discute os procedimentos que serão incluídos no rol dos obrigatórios.

Entre os muitos Enunciados aprovados em 2014, no Fórum permanente de Saúde do Conselho Nacional de Justiça está’ de número 41, pelo qual se considerou afronta ao direito constitucional à liberdade de planejamento familiar que se limite a idade de 50 anos, para que mulheres possam submeter-se à gestação por reprodução assistida. Contrariando o entendimento exposto na última Resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a matéria.

Fato é que o Judiciário tem-se mostrado claramente a favor do direito ao planejamento familiar. Basta que se relembre também o entendimento exposto no Enunciado 40 pelo qual é admissível o registro do filho gerado por reprodução assistida por um casal homoafetivo, ou seja, por pessoas do mesmo sexo. Embora esses enunciados não tenham poder vinculante, o que significa não haver obrigatoriedade de os magistrados os acatarem, não se pode ignorar que representam um indicador bastante claro do que o Judiciário quer para os cidadãos: direitos plenos respeitados, seja por quem for.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), conselheira no Conselho Municipal de Saúde (COMUS) de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, MBA Executivo em Saúde e doutoranda em Saúde Pública.

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