Vias de dúvidas para o parto: há escolha?

Sandra Franco*

Uma sociedade marcada pela urgência, em que “time is money”, provoca em todos a sensação de que a organização do tempo é um bem precioso, a ser perseguido a qualquer custo. Isso vale também para o momento de nascer.

Mães que planejam suas gestações, planejam também o nascimento de seus filhos, segundo suas conveniências. Sem qualquer julgamento sobre essas decisões, entendendo-as como fruto de uma mudança cultural, surge um chamamento para a reflexão sob o ponto de vista da saúde pública. Por que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o excessivo número de cesarianas realizadas em nosso país?

Não é demais dizer que a ausência de escolha (e suas consequências) está mais ligada à classe menos privilegiada, na qual a mulher realiza o parto que for possível, nas condições que se lhe impuserem. Revela-se assim uma gritante diferença entre os setores privado e público. Enquanto em um, 80% dos partos são cesáreas; em outro, esse índice alcança a metade desse percentual.

Afinal, mamães e bebês acabaram por serem beneficiados com essa mudança no nascer? Sim e não. É fato que à cesárea pode ser atribuído o controle de agravos ao parto, em especial no que se refere à saúde dos bebês. Verifica-se, entretanto, a contrapartida de significativo aumento da mortalidade materna. Somando-se a isso, existem estudos que apontam incidência de prematuridade e baixo peso ao nascer e possibilidade de associação da cesárea com o sobrepeso na infância, adolescência e na idade adulta jovem.

Porém, para o governo brasileiro, a alta taxa de cesárea no país representa, além do aumento de riscos desnecessários, elevados gastos com o procedimento cirúrgico. Os países mais desenvolvidos buscam o controle das taxas de cesarianas realizadas, almejando o ideal de que sejam fruto apenas de indicação médica e não somente escolha das mães para que não sintam dor durante o parto ou ainda para que se possa atender à necessidade de os médicos não estarem à disposição full time da mãe natureza, por assim dizer. Aliás, nesse sentido, registre-se que 95% das cesáreas ocorrem durante o período diurno.

De forma a estimular a redução das cesarianas, Ministério da Saúde e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiram adotar ações conjuntas, as quais embora discutíveis quanto à forma e à evidente ausência de estrutura das redes pública e privada para o imediato acolhimento das medidas. No mínimo, pode-se indicar um evidente aumento de trabalho para as equipes obstétricas, a começar pelo preenchimento de mais documentos. Um desses documentos recomendados, importantíssimo diga-se, é o partograma.

Sem dúvida, a decisão sobre a via do parto deve ser resultado de escolhas responsáveis, que levem em consideração a saúde da mulher e do bebê. Um exemplo: a cesárea não precisa ser uma opção para a mulher que não quer sentir dor, pois é possível haver analgesia também durante um parto normal. A mulher também precisa saber e consentir com certas práticas antes, durante e pós o parto, algumas hoje consideradas violências obstétricas (exames de toque em excesso, Manobra de Kristeller, episiotomia), quando não autorizadas pela paciente – mas, que não são práticas que precisam ser abolidas, uma vez que também possuem indicação médica e não têm como escopo a maleficência,

E se, diante de todas as informações, a mulher decidir pela cesariana, por motivos que não sejam médicos, estará legalmente impedida de a realizar? Não, por óbvio. Mas, haverá glosas dos planos de saúde para a realização dos pagamentos dos partos? Não poderia. Assim também como não poderia estar o pagamento do parto vinculado à elaboração de um partograma. Por certo, haverá a grita dos prejudicados.

Pelas novas regras da ANS, presentes na Resolução 368 de janeiro de 2015, amplia-se o acesso das usuárias dos planos de saúde a informações que, em tese, poderiam interferir na escolha sobre a via de parto, por exemplo: em quais instituições realizam-se mais cesarianas, quantos partos e os tipos cada médico obstetra realiza, entre outras.

No entanto, qual o peso dessa informação na decisão da paciente? Um profissional que realize mais cesarianas durante seu plantão, por exemplo, será aquele a ser evitado pela paciente que deseja um parto normal? Supondo que seja apenas este o profissional presente e que haja indicação para a cesariana por questões inerentes ao trabalho de parto? Haverá a rejeição pela paciente? Apresenta-se inócua tal medida.

Há associações de mulheres organizadas na luta pelo parto humanizado, o que significa dizer que mulheres gestantes exigem um tratamento diferenciado para um procedimento que não se compara a qualquer outro na Medicina, isto porque a gravidez não é uma doença e o que a paciente busca em um hospital não é cura, mas sim o apoio necessário para trazer ao mundo um novo ser humano. O parto é um fenômeno natural, mas hoje a cultura hospitalocêntrica tem provocado uma excessiva intervenção médica.

Opiniões profissionais oscilam acerca da efetividade das medidas da ANS. A título de reflexão, a SOGESP aponta para causas envolvidas no grande número de cesáreas que estão ocorrendo no sistema de saúde suplementar no Brasil: a redução progressiva do número de leitos obstétricos nos hospitais e maternidades credenciados, a falta de ambiência adequada nos hospitais e maternidades e a falta de equipes de plantonistas presenciais apropriadas para assistência obstétrica nas maternidades.

Observe-se que há no SUS casas especializadas para realização de partos naturais, o que é possível ocorrer em mulheres saudáveis e preparadas para o momento. Um acompanhamento pré-natal é essencial para avaliação das gestantes aptas à realização desse tipo de parto. Em certos casos, a presença do médico pode ser prescindida, nas chamadas casos de parto, desde que haja uma maternidade próxima para o caso de eventual complicação, sempre imprevisível.

A Constituição Federal garante a liberdade do cidadão. Aliás, a autonomia do paciente está entre os princípios da Medicina. Resta evidente, porém, que nenhuma escolha sem informação está cravada pela consciência das consequências. Neste sentido, a demonização de uma ou outra via de parto somente serve para desinformar, o que sempre é o único meio incapaz de trazer benefícios.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), conselheira no Conselho Municipal de Saúde (COMUS) de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – [email protected]

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