Brasil: um país que sofre pela má gestão da saúde por Sandra Franco

No Brasil, não é pouco comum que a saúde seja negligenciada. Entre fraudes escandalosas, em que se constatam o desvio de milhões em recursos, encontra-se também o fantasma da má gestão. Como é habitual no país, espera-se que o cadeado seja arrombado para então se criar condições de segurança. O objetivo do Sistema Único de Saúde de promover, proteger e cuidar do cidadão não é cumprido no planejamento de políticas públicas.

O fato de o país ainda não estar preparado para o combate ao mosquito aedes aegypti surpreende, considerando que a primeira epidemia registrada no país foi em 1982. Nada se aprendeu desde então? Não se justifica, em qualquer hipótese, que o país não tenha investido em saneamento básico e tratamento da água. Agora escancaram as consequências da falta de responsabilidade do Estado.

Para se ter uma ideia, em 2015, constatou-se a existência de 1,6 milhão de infectados por dengue, contra 600 mil de 2012. Considerando-se que o mosquito continuará a multiplicar-se, pela ausência de ações preventivas pela população e em razão de o Estado não cumprir seu dever de fiscalizar e punir, a epidemia irá crescer.

Até o momento, o Ministério da Saúde confirmou o diagnóstico de 270 bebês com microcefalia ou malformação do cérebro, seis deles por exposição comprovada ao vírus. Outros 3.448 casos seguem sob investigação.

Em estado de alerta, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o zika vírus pode atingir entre 3 milhões e 4 milhões de habitantes das Américas, espalhando-se por vários países. Epicentro da epidemia, o Brasil deve concentrar 1,5 milhão de infectados.

Esse alarmante número de microcefalias trouxe à tona um tema polêmico advindo dessa crise epidêmica: o aborto.

Iniciaram-se os debates sobre a possibilidade ou não do aborto em casos de comprovada microcefalia. O caso poderá chegar ao Supremo Tribuna Federal (STF) levado pelo mesmo grupo que propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. No entanto, não se poderá aguardar uma década para a efetiva apreciação da matéria.

Enquanto isso, mães realizam abortos clandentinos diante de diagnósticos de microcefalia. Pelo princípio da dignidade humana, a mulher tem o direito de escolher se quer ou não ter o bebê. Pelo princípio do direito à vida, ao feto deveria ser dado o direito de nascer, ainda que com as dificuldades inerentes à sua condição.

Seja pela opção ao aborto (caso se torne legal), seja pela opção em ter o bebê, caberá ao Ministério de Saúde criar redes de atendimento com equipes multiprofissionais que permitam o atendimento digno à mulher. No entanto, tal realidade está distante, já que o aparato criado pelo SUS mesmo nos casos já admitidos em lei não tem sido eficaz pelo pequeno alcance que apresenta.

O entendimento do Supremo corrobora a Lei 9.434/1997, na qual está disposta que a vida cessa com a morte encefálica ou morte cerebral. Se não há vida no feto anencéfalo, sob o prisma jurídico, não há sentido em prolongar a gravidez e acarretar riscos e prejuízos psicológicos e à saúde da gestante. Não obstante, não é esse o caso dos fetos com microcefalia. Crianças que nascem microcefalia podem desenvolver uma série de habilidades, a depender da gravidade.

Pela sensibilidade do tema, deve ser criada uma comissão com os mais diversos atores sociais para encontrar um caminho. Certamente devem estar envolvidos o Ministério da Saúde, os conselhos de medicina, as sociedades médicas de pediatria, neurologia, ginecologia e obstetrícia, entre outras importantes instituições da saúde para guiar qualquer decisão.

O país apresenta um serviço precário para atendimento de gestantes. Sem dúvida, há centros de excelência no atendimento público à gestante, mas poucos estabelecimentos efetivamente compromissados com uma política de humanização do parto e com o oferecimento de um serviço de acompanhamento pré-natal. E isso agrava ainda mais a situação.

Ainda que a gestante esteja assistida, a criança com microcefalia precisará de cuidados especiais por toda a sua vida. A microcefalia não tem cura e o tratamento inclui sessões de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional para estimular a criança, diminuir a deficiência mental e o atraso no crescimento. Para aqueles que sequer têm emprego, a ajuda do Estado seria imprescindível para se garantir o direito da criança ter uma vida digna.

A epidemia de dengue e de pessoas infectadas com zika apenas se somou aos problemas já existentes na saúde brasileira. Se já falta equipamento básico em muitos lugares, pessoas morrem à espera de atendimento, que dizer sobre um atendimento especializado para essa geração de crianças com microcefalia? Que país é esse?

*Sandra Franco, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde

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