A investida do Judiciário para a redução de cesarianas

Sandra Franco*

Recente decisão da Justiça Federal colaborou para intensificar os debates em torno das regras sobre o parto normal e a cesariana. Qual é o melhor procedimento para o bebê nascer? A resposta é: ambos!

Não obstante, na rede privada de saúde, o número de cesarianas supera de longe o de partos normais, ao contrário do que ocorre na rede pública. Além do fato de as mães preferirem a cesariana como forma de não sentir dor, é certo que também os médicos obstetras optam por realizar as cesarianas por conta das “vantagens” de tempo e de remuneração.

Na tentativa de mudar o cenário atual, o Ministério Público propôs ação civil pública contra a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) objetivando que algumas medidas de estímulo ao parto normal fossem tomadas por força de sentença.

O juiz Victório Giuzio Neto, da 24ª Vara Federal Cível de São Paulo, determinou que a ANS estabeleça a remuneração dos honorários profissionais em montante correspondente, no mínimo, o triplo do montante atribuído à cesariana, valor que deverá ser praticado pelas operadoras de planos de saúde.

O juiz também decidiu que as operadoras e os hospitais deverão credenciar e possibilitar a atuação de enfermeiros obstétricos e obstetrizes no acompanhamento de trabalho de parto, possibilitando também a livre consulta por parte das pacientes gestantes.

De acordo com o MP, o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem demonstrado que as complicações maternas são superiores na cesárea em comparação ao parto vaginal, sendo maior a necessidade de internação em UTIs, maior taxa de risco de morte materna e de intercorrências como hemorragias e/ou histerectomias.

O juiz afirma que “nesse quadro trágico, impossível deixar de ver como claramente necessária uma regulamentação mais adequada, pela ANS, visando melhores alternativas na promoção da saúde da mulher e da criança”. O magistrado também considerou que, apesar da remuneração não indicar isoladamente a decisão pelo parto normal em relação ao cirúrgico, não se deve ignorar que o acompanhamento de um parto normal é muito mais minucioso e consideravelmente mais demorado, sendo necessária a presença do médico por muito mais tempo. Tal tempo dispendido precisa ser remunerado e não se confunde com a chamada disponibilidade obstétrica.

De outro lado, a ANS assevera não ser sua competência regulamentar honorários médicos ou interferir na estrutura hospitalar (diferenciada para o parto normal).

Acrescenta-se que é direito dos consumidores, usuários de planos de saúde privados, obter uma adequada informação e prestação de serviços médicos obstétricos, oferecendo às mulheres melhores condições de nascimento de seus filhos pela via normal. A ciência quanto as vias de parto e riscos evita a realização de cesarianas sem a presença de efetiva recomendação médica, muitas vezes contra a vontade real da paciente, que acaba por sucumbir ao direcionamento do médico para a cirurgia.

Há pouco tempo, o Ministério da Saúde e a ANS anunciaram ações conjuntas, as quais são discutíveis quanto à forma e à evidente ausência de estrutura das redes pública e privada para seu imediato acolhimento. A referida sentença ratifica algumas dessas medidas, já presentes na Resolução 368 de janeiro de 2015, ao dispor que caberá à ANS criar indicadores e notas de qualificação para operadoras e hospitais específicos para a questão do número de cesarianas bem como que as operadoras de saúde deverão adotar práticas humanizadoras do nascimento, além de outros itens menos significativos como o fornecimento pelas operadoras de saúde dos percentuais de cesarianas e partos normais efetuados pelos obstetras e hospitais remunerados pela operadora.

No mínimo, pode-se indicar um evidente aumento de trabalho para as equipes obstétricas, a começar pelo preenchimento de mais documentos. Um desses documentos recomendados, importantíssimo diga-se, é o partograma sobre o qual decidiu o magistrado que deve ser criado um modelo para o uso obrigatório.

A imposição do aumento de número de partos normais através das ações do Ministério e da ANS e, agora, do Judiciário provocam um questionamento sobre a efetividade de uma tentativa de mudança cultura brusca. Normalmente, o parto não envolve apenas a gestante, mas seus familiares que pressionam para que seja realizada uma cesariana ao ver a dor das contrações. Faz-se essencial reeducar a sociedade, reeducar as equipes obstétricas auxiliares e reeducar os médicos.

A título de reflexão, a SOGESP aponta para a realidade presente no sistema de saúde suplementar no Brasil: a redução progressiva do número de leitos obstétricos nos hospitais e maternidades credenciados, a falta de ambiência adequada nos hospitais e maternidades e a falta de equipes de plantonistas presenciais apropriadas para assistência obstétrica nas maternidades. Interessante ressaltar que a decisão do magistrado apontou na direção de que partos menos complexos sejam exclusivamente realizados por enfermeiras obstetrizes.

Inconteste que no Brasil apenas medidas educativas e informativas não são suficientes para a mudança de certas práticas. Tanto é assim que em 1998, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 2816 limitando o pagamento das cesarianas a 30% e gradualmente a 20% de todos os partos. Na rede pública a imposição “de cima para baixo” funcionou, pois mexeu no bolso das instituições. O mesmo ocorrerá na rede privada?

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), doutoranda em saúde pública e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – www.sfranconsultoria.com.br.

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