As sutis diretrizes do novo Código de Ética Médica

Sandra Franco*

Entrou em vigor no último dia 1.º de maio o Novo Código de Ética Médica. O novo texto deveria ser um manual para uma nova era para os profissionais da Medicina, em tempos de grande transformação social com a revolução digital. O desafio é adaptar-se ao novo sem perder de vista o juramento hipocrático. Definir limites de atuação para os médicos, a partir da realidade das mídias sociais e dos avanços tecnológicos sem esbarrar no excesso.

Ainda assim, as mudanças apresentadas pelo texto publicado em 2018 são sutis. Não se pode dizer que o Código representa um grande avanço quanto aos deveres e direitos dos médicos e suas relações com colegas, pacientes e instituições.

Muitos entendem que não poderia ser de outra forma, visto que o pensamento ético segue reafirmando os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência. Então, por que rever os princípios já estabelecidos nos códigos anteriores?

Reafirmar o já existente é uma forma também de chamar atenção da classe e da sociedade para questões fundamentais. Por exemplo, o paciente precisa saber que tem direito a um Sumário de Alta, com suas informações acerca do atendimento que lhe foi ministrado. De outro lado, o médico deve saber que pode entregar cópia do prontuário mediante requisição do magistrado, sem qualquer receio de ferir o sigilo profissional (para aqueles que ainda resistiam eticamente).

De substancial, a nova redação ratifica que o médico deve, sim, utilizar os avanços tecnológicos desde que disponíveis. O médico não pode ser responsabilizado por não haver, por exemplo, um equipamento de ponta no seu local de trabalho e, em razão disso, deixar de aplicar o melhor tratamento para determinado paciente.

Nesse aspecto, faz-se importante ressaltar, aliás, que todos são iguais perante a lei e que a Constituição garante o acesso à saúde a todos, mas que o Brasil, por suas desigualdades sociais, promove a existência de duas Medicinas: a dos que têm dinheiro e aqueles que não podem pagar atendimentos particulares ou planos de saúde.

Portanto, o texto do Código acerta em dizer ao médico: faça o que está a seu alcance. Não poderia ser diferente. Não obstante, estando o médico diante de condições precárias para atendimento, ele deverá comunicar o Diretor Técnico da instituição de saúde e, quiçá, recusar-se a exercer seu ofício diante da falta de condições mínimas.

Nesse ponto surgiu uma pequena alteração, ao se incluir o Diretor Clínico como competente para receber a reclamação do médico, além da Comissão de Ética do Hospital e o próprio CRM, já previstos no Código anterior.

No que se refere à alteração aguardada por muitos acerca da possibilidade de atendimento do paciente à distância (Telemedicina), porém, não houve inovação. Também sobre o uso de mídias sociais pelos médicos, assunto importante para a classe me tempos em que “ser visto é ser lembrado”, a regulamentação será por meio de resoluções específicas, o que valerá também para a oferta de serviços médicos a distância mediados por tecnologia.

Uma inovação significativa: a inclusão do médico com deficiência, possibilitando-lhe o exercício da profissão, no limite de suas possibilidades sem colocar em risco a segurança dos pacientes, é louvável, mas talvez não precisasse ser um dispositivo do Código de Ética. O fato é que há certas deficiências e doenças que impedem o médico de exercer seu ofício: como poderia um deficiente visual ser um cirurgião? Mas, o que o impediria de ser um psiquiatra?

De outro lado, se o médico é paraplégico e necessita estar em uma cadeira de rodas, o local de seu trabalho precisará ser adaptado às suas necessidades. Quantos profissionais médicos deficientes estão inscritos nos CRMS e quais as condições de trabalho que possuem nas instituições? Não há esses números. Entretanto, apenas com esses dados seria possível avaliar o impacto da inclusão desse dispositivo.

O texto literal apresenta-se no Capítulo 2, DIREITOS DOS MÉDICOS, inciso XI: “É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado”.

Interessante notar um acréscimo no que se refere à relação entre os profissionais. Estariam os médicos menos respeitosos entre si, a ponto de os revisores do texto do Código entenderem como um “direito humano” a civilidade entre colegas? Assim preconiza o parágrafo único do Art. 23: “O médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade”.

Em linhas gerais, portanto, não se pode dizer que um novo comportamento ético esteja sendo exigido dos médicos. Ou seja, os princípios que orientam o comportamento médico em sociedade permanecem essencialmente os mesmos e assim sempre será, com pequenas adaptações semânticas apenas. Vale citar Nietzsche: “Não há realidades eternas nem verdades absolutas”. E a Medicina sabe disso.

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde. Doutoranda em saúde pública. Ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Unesp/SJC

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