Taxa cobrada em partos não tem definição legal – SFranco no Jornal do Comércio RS

Laura Franco, especial

Aos 28 anos, Cláudia Athayde engravidou. E com todas as dúvidas de uma mãe de primeira viagem, ela e o marido buscaram um médico obstetra credenciado em seu plano, que estivesse alinhado às expectativas do casal. Logo no primeiro contato, foram surpreendidos quando a secretária avisou que havia uma taxa de disponibilidade, valor exigido para que a obstetra realizasse o procedimento do parto, após o acompanhamento no pré-natal. A informação foi suficiente para que buscassem um novo profissional. Tiveram, então, mais uma decepção, quando o segundo médico avaliado exigiu, também, a taxa. “Ele cobrava cerca de R$ 3 mil.

Desses, R$ 2 mil iriam diretamente para ele e R$ 1 mil para o anestesista.” Com isso, o casal foi para o plano B, o parto humanizado em casa. Cláudia, então, fez todo seu pré-natal com uma médica credenciada em seu plano, mas com a definição de que o parto não seria realizado por ela. Assim, a médica indicou quais os hospitais e plantonistas seriam mais adequados.

“Foi muito difícil optarmos pelo parto em casa, embora eu não goste de hospitais e intervenções hospitalares, porque ficamos muito inseguras com a primeira gestação e, infelizmente, alguns médicos se aproveitam desse momento”, lamenta. Brisa, hoje com um ano e nove meses, nasceu de 36 semanas e seis dias. Pela situação, a parteira, que também era médica, indicou que Cláudia fosse até um hospital. Com isso, Cláudia foi ao Hospital Conceição, o mais próximo de sua casa, e fez todo o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Fui super bem atendida e acolhida; e, no fim, valeu muito a pena. Fiz o parto com uma enfermeira obstétrica, coordenadora do plantão, que teve todo o cuidado do mundo comigo e com minha filha.”

A história de Cláudia é parecida com a de milhares de outras mães. A diferença é que muitas delas cedem e acabam pagando a taxa de disponibilidade exigida pelos médicos por insegurança ou confiança naquele profissional. Em Caxias do Sul, a promotora Janaina de Carli dos Santos, da 1ª Promotoria de Justiça Especializada, instaurou um inquérito contra três planos de saúde.

O documento foi oficiado para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e teve decisão recentemente. “Coletamos as informações do sindicato médico e das operadoras de planos e, com base nisso, formamos nosso entendimento pela ilegalidade, e a decisão veio nesse sentido.”

A promotora ainda indica que, mesmo que a ação tenha sido contra os planos, o consumidor pode entrar com uma ação individual conta o plano de saúde, ou até mesmo contra o médico. “Orientamos o contato direto com o plano de saúde, porque é responsabilidade da operadora oferecer outro profissional e adotar as providências estatutárias contra o médico, como o desligamento do profissional do plano”, explica.

Ela ressalta que, se houver pagamento, é possível pedir o ressarcimento. A ANS informa que é importante solicitar à operadora um protocolo de atendimento, visto que, de posse desse documento, é possível realizar a reclamação.

Ainda assim, a advogada especialista em Direito de Saúde Lorena Cunha indica que muitos planos não são claros com relação à cobertura. “Muitas vezes, não se explica que, no momento do parto, se busca um hospital credenciado, e é o plantonista apto para realizar o atendimento quem vai atender”, comenta.

Ela ainda indica que os obstetras entendem que sua disponibilidade não estaria dentro do convênio, o que torna o entendimento uma questão de interpretação. Para ela, a melhor saída continua sendo a transparência entre médico e paciente, só assim é possível de se chegar à melhor resolução, impedindo os conflitos com a chegada da data do parto.

Normativas podem ser utilizadas a favor de pacientes Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM), em parecer, indicou que “não existindo obrigação contratual entre o médico e a operadora de plano de saúde para o acompanhamento presencial do trabalho de parto, o médico, do ponto de vista legal e ético, não tem o compromisso de realizar tal procedimento em gestante que acompanhou durante as consultas do pré-natal”.

Dois anos depois, a Agência Nacional de Saúde Suplementar passou a considerar a medida indevida. Segundo nota da agência, “os consumidores de planos de saúde têm, conforme a segmentação contratada, cobertura garantida pelas operadoras para todos os procedimentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.”

No texto, ainda há a indicação de alguma base legal possível de ser utilizada a favor do paciente. A primeira delas é a Lei nº 9.656, de 1998. No artigo 12, se estabelece que a cobertura de despesas referentes a honorários médicos deve ser obrigatoriamente coberta pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde para eventos que ocorram durante a internação hospitalar, incluindo a internação em obstetrícia.

Além disso, a Resolução Normativa nº 338, de 21 de outubro de 2013, serve como referência básica para cobertura mínima obrigatória da atenção à saúde nos planos privados de assistência. O texto define, em seu artigo 22, que o plano hospitalar com obstetrícia compreende toda a cobertura hospitalar definida no artigo 21 daquela resolução. Acresce, então, os procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério, de modo que as despesas referentes a honorários médicos necessários a essas etapas da atenção perinatal, incluindo a internação hospitalar para a assistência ao parto, devem ser necessariamente cobertas pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, garantindo a integralidade das ações, respeitando a segmentação contratada. Ressalta-se, também, que a cobrança de taxa de disponibilidade vai de encontro aos princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os quais são aplicáveis subsidiariamente aos contratos de planos privados de assistência à saúde, em especial o da vulnerabilidade do consumidor, o da interpretação mais favorável ao mesmo e o da presunção de sua boa-fé.

A advogada Lorena Cunha explica que há jurisprudências sobre a temática no País, e que, mesmo assim, não se consegue chegar a uma decisão definitiva. “Existem decisões favoráveis e contrárias à taxa. Ainda é difícil chegar a uma resolução geral da Justiça nesse sentido”, lamenta. – Jornal do Comércio

Veja link da matéria original https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jornal_da_lei/2018/06/635523-taxa-cobrada-em-partos-nao-tem-definicao-legal.html

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