Emenda 29 não é o remédio para a saúde

Por Sandra Franco*

Em tese, a regulamentação da Emenda Constitucional 29/2000 inibiria o mau uso do dinheiro público, uma vez que seu texto dispõe sobre as formas que a União, estados e os municípios devem gastar seus recursos no setor de saúde. Porém, olvida-se que a letra da lei se transforme em realidade.

No Brasil, país em que a corrupção e vantagens pessoais caracterizam forte traço cultural, a publicação de uma lei não é sinônimo de mudança. Essa afirmação encontra eco no que se refere aos responsáveis pela gestão do dinheiro público. Há bons gestores públicos na área da saúde, indubitável. Da mesma forma, há políticos em cargos públicos com foco permanente no cumprimento de suas atribuições. Para esses, portanto, a votação do projeto de lei 121/2007 nesta semana apenas ratifica seus atos de probidade.

As diretrizes do texto aprovado para a aplicação dos valores mínimos quer pela União, estados e municípios são inequívocas. Não há espaço para interpretações análogas que resultem no desvio de verbas. Primeiro, está definido que o gasto público será com as ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito.

A sociedade – é justo dizer – terá, quando da vigência do texto, uma espécie de cartilha para fiscalizar as ações dos gestores públicos. Poderá, por exemplo, verificar se o uso de dinheiro da saúde para saneamento básico (que possui recursos oriundos instituída em taxas ou tarifas públicas) não é um gasto a ser realizado com dinheiro da saúde, independentemente da sua importância.

Evidentemente que a desnutrição pode gerar doenças, mas não é justificativa para o gestor desviar os recursos da saúde para essa política. O mesmo se pode afirmar quanto às ações que envolvam limpeza urbana e remoção de resíduos; assistência social; obras de infraestrutura, entre outros.

Outra questão que se deve registrar é a não aprovação de uma nova CPMF, desta vez disfarçada pelo nome de Contribuição Social para a Saúde. A arrecadação no país é suficiente para que municípios, estados e União cumpram a previsão mínima de gasto com a saúde pública.

Se a regulamentação da Emenda 29 cumpre seu objetivo no que se refere à clareza, resta resolver um problema: punição rigorosa para os que continuam a usar a máquina e o dinheiro públicos para transformar, por exemplo, uma compra de medicamentos superfaturados como forma de enriquecimento ilícito.

Todas as semanas, quase todos os dias, a imprensa noticia alguma nova fraude envolvendo o desvio de recursos da saúde. Em especial, as denúncias tem sido alvo de procedimentos investigativos pelo Ministério Público. Para ilustrar, uma ação civil pública, em curso no Estado de Minas Gerais, investiga a sangria de recursos da saúde para o setor de saneamento básico. Neste caso, o MP pede a devolução de R$ 3,3 bilhões ao Fundo Estadual de Saúde por gestores públicos.

O uso de empresa fantasmas para justificar o desvio de recursos públicos da saúde; notas fiscais frias; superfaturamento na compra de materiais e equipamentos; materiais adquiridos que não chegam a seu destino;

Há motivo para comemoração, afinal a regulamentação da Emenda 29 aguardou mais de uma década para ter seu texto votado. Todavia, impossível acreditar que apenas a lei garanta o bom uso do erário. Somente por meio uma vigília incansável, permanente e comprometida por parte da sociedade e suas instituições haverá a cura para os males da saúde. Precisamos cuidar desse doente!

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – [email protected]

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